O debate político brasileiro frequentemente se contamina por rótulos superficiais e visões distorcidas sobre o que significa ser “de direita”, “de esquerda”, “conservador” ou “comunista”. Entre as afirmações mais repetidas nos últimos anos está a ideia de que votar no PT ou simpatizar com Lula transformaria automaticamente alguém em comunista.
Do ponto de vista histórico, político e até religioso — especialmente à luz da doutrina católica — essa afirmação não se sustenta.
Para começar, é preciso distinguir ideologia comunista de partidos de esquerda democrática. O comunismo marxista-leninista, condenado pela Igreja em vários documentos, é uma ideologia que prega o ateísmo de Estado, a abolição da propriedade privada e o partido único. Nada disso corresponde à prática dos governos brasileiros contemporâneos nem às plataformas de partidos como o PT. O PT, apesar de ter origem em movimentos de esquerda, funciona dentro das regras da democracia liberal, disputa eleições, respeita a pluralidade religiosa e não propõe um Estado comunista nos moldes históricos. Assim, chamar qualquer simpatizante do partido de “comunista” é uma simplificação equivocada.
Além disso, os governos Lula e Dilma não representaram uma ameaça à fé cristã ou à Igreja Católica. Durante seus mandatos, a liberdade religiosa foi plenamente preservada, foram mantidas relações diplomáticas normais com a Santa Sé e até foi firmado o Acordo Brasil–Santa Sé, que reconheceu oficialmente a atuação da Igreja no país. Em outras palavras, não houve perseguição ou hostilidade institucional — fatos que seriam inseparáveis de um regime comunista real.
Do ponto de vista moral católico, a própria Igreja deixa claro que não vincula salvação ou condenação ao voto em candidatos ou partidos específicos. A doutrina católica condena ideologias materialistas e totalitárias, mas não emite sentenças sobre siglas partidárias. O voto é um ato de consciência, orientado por princípios como dignidade humana, bem comum, justiça social e liberdade religiosa — e nenhuma dessas categorias pode ser reduzida a um slogan político. Por isso, afirmar que “quem vota no PT vai para o inferno” não tem base no Catecismo, na Doutrina Social da Igreja ou em qualquer documento oficial. Trata-se de uso inadequado da religião para fins partidários.
Por fim, é importante reconhecer que muitos que se identificam como “conservadores” acabam utilizando o termo como marca identitária e não como compromisso com os valores clássicos do conservadorismo — como prudência, respeito às instituições, moderação, tradição e realismo político. Nesse contexto emocionalizado, é comum que a discussão se empobreça e que conceitos como “comunismo” sejam empregados de maneira inflacionada e imprecisa.
Em síntese: votar no PT ou gostar do Lula não transforma ninguém em comunista.
A política democrática é mais complexa, a doutrina católica é mais equilibrada e a realidade brasileira é muito diferente das narrativas polarizadas que circulam nas redes sociais. Manter clareza conceitual é essencial para que conservadores e progressistas possam dialogar com maturidade, sem recorrer a rótulos distorcidos ou acusações infundadas.