A Exortação Apostólica Dilexi Te, do Papa Leão XIV (2025), é um grito profético de retorno ao essencial do Evangelho: o amor concreto de Cristo pelos pobres. O documento reafirma com vigor que a opção preferencial pelos pobres não é uma escolha ideológica ou política, mas uma exigência do cristianismo autêntico.
“Tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber” (Mt 25,35).
“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres” (Lc 4,18).
Essas palavras de Jesus são o coração pulsante de Dilexi Te. Leão XIV recorda que amar os pobres é amar o próprio Cristo, pois neles Ele continua encarnado, ferido e necessitado de compaixão. O Papa denuncia a tendência moderna de reduzir o cuidado aos pobres a um discurso político, lembrando que o próprio Jesus foi incompreendido por andar entre os marginalizados e por acolher aqueles que o mundo desprezava.
“Servir os pobres não é comunismo, é cristianismo”, afirma o Papa — ecoando as palavras e atitudes de Francisco de Assis, de João Paulo II e, mais recentemente, do Papa Francisco, que em Fratelli Tutti e Evangelii Gaudium também têm chamado a Igreja a “sujar as mãos” pela vida dos pequenos e sofredores.
O Evangelho da Dignidade
A exortação de Leão XIV é profundamente evangélica. Ela remete à cena do Bom Samaritano (Lc 10,25-37), símbolo da verdadeira caridade cristã: o amor que não se detém na teoria, mas se aproxima, toca, cuida e restitui dignidade. Assim como o samaritano pagou a hospedaria do homem ferido, o cristão autêntico é chamado a investir sua vida, seu tempo e seus dons em favor dos feridos da sociedade.
Em sintonia com a Doutrina Social da Igreja, o Papa reforça princípios fundamentais como:
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A dignidade da pessoa humana, criada à imagem de Deus (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 105);
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O bem comum, que é o conjunto das condições que permitem às pessoas alcançar o seu pleno desenvolvimento (n. 164);
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A solidariedade, que é “a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem de todos” (cf. Sollicitudo Rei Socialis, 38).
Dilexi Te insiste que a caridade sem justiça é incompleta. O amor cristão não se limita a esmolas, mas busca transformar as estruturas que geram exclusão. Isso não significa adesão a ideologias políticas — o Papa é explícito nesse ponto —, mas um agir inspirado pelo Evangelho, que recusa a indiferença e o comodismo.
“Não basta consolar os pobres; é preciso lutar para que a pobreza não seja fruto da injustiça”, escreve Leão XIV.
O Espírito Santo e a Conversão Pastoral
Assim como o Papa Francisco em Evangelii Gaudium, Leão XIV pede uma Igreja em saída, pobre e para os pobres, movida pelo Espírito Santo. Ele adverte contra o risco de uma Igreja autorreferencial, apegada às suas estruturas e distante das dores do povo.
“Enquanto alguns defendem cargos e tradições como se fossem tronos”, observa o Papa, “Cristo continua batendo à porta, disfarçado de pobre, esperando ser acolhido”.
Essa passagem dialoga diretamente com o tema do medo do novo de Deus — o saudosismo espiritual que resiste à renovação. A verdadeira conversão pastoral exige desapego, humildade e abertura ao sopro do Espírito, que renova todas as coisas (cf. Ap 21,5).
Cristianismo, e não Ideologia
Leão XIV é categórico:
“Não se trata de comunismo, de socialismo ou de qualquer outra construção humana; trata-se do Reino de Deus.”
Ele recorda que Jesus jamais propôs um sistema econômico, mas um modo de vida baseado no amor, na justiça e na misericórdia. O Evangelho não é manifesto político, mas é profundamente político no sentido mais nobre do termo — pois transforma as relações humanas, inspira o cuidado com a vida e pede que os discípulos sejam sal e luz no mundo (cf. Mt 5,13-16).
Negar ou desprezar o discurso que promove os pobres é, no fundo, negar o próprio Cristo, que nasceu numa manjedoura e se fez servo.
“Ai de vós, ricos, porque já tendes a vossa consolação” (Lc 6,24).
“Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3).
Essas palavras não são slogans ideológicos, mas fundamento da espiritualidade cristã. O amor aos pobres não é uma opção política, é uma prova de fidelidade a Jesus.
Conclusão: A Fé que Toca as Feridas
Em Dilexi Te, Leão XIV nos recorda que a santidade não se mede por cargos ou títulos, mas pela capacidade de amar sem fronteiras. Ele convida a Igreja a redescobrir o rosto de Cristo nos rostos cansados, famintos e esquecidos, e a agir para que ninguém seja privado de dignidade.
A verdadeira Igreja é aquela que não tem medo de se aproximar dos feridos, de se comprometer com os últimos, e de proclamar com a vida:
“Dilexi te, Senhor — eu te amei — e te amei nos teus pobres.”