A fé cristã se fundamenta no princípio de que todos os seres humanos foram criados à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,27). Essa verdade confere a cada pessoa uma dignidade intrínseca, que não depende de origem, condição social, escolhas pessoais ou limitações. A partir disso, a doutrina cristã ensina que a vida deve ser respeitada e defendida em todas as suas formas, e que o amor ao próximo é o maior dos mandamentos (cf. Mc 12,30-31).
As políticas inclusivas têm como objetivo prático assegurar, no âmbito social e jurídico, esse mesmo princípio: a dignidade e os direitos fundamentais de cada cidadão. Elas procuram garantir que ninguém seja excluído, discriminado ou impedido de viver plenamente sua humanidade por conta de sua identidade, condição ou diferenças. Assim, enquanto a fé aponta para a dignidade como dom de Deus, as políticas públicas buscam traduzi-la em garantias concretas no convívio social.
O cristianismo nos lembra também que Jesus se aproximou justamente dos marginalizados — leprosos, estrangeiros, mulheres, pobres, pecadores públicos — pessoas que, em seu tempo, sofriam exclusão social e religiosa. O gesto de Jesus é profundamente inclusivo: Ele não relativiza a verdade do Evangelho, mas acolhe a pessoa em sua integridade, dando-lhe espaço para a conversão e a vida nova. Da mesma forma, as políticas inclusivas não pedem que cada um abandone suas convicções pessoais, mas que todos reconheçam o direito do outro de existir, de ser respeitado e de participar da sociedade em igualdade de condições.
Há, portanto, uma harmonia possível entre a doutrina cristã e as políticas inclusivas:
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A doutrina proclama a dignidade dada por Deus;
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As políticas buscam garantir, por meio das leis, que essa dignidade seja respeitada.
No entanto, é natural que surjam tensões. Para os cristãos, a liberdade humana deve ser orientada pela verdade revelada em Cristo, enquanto, no espaço público, a liberdade é assegurada de maneira mais ampla, abrangendo escolhas que nem sempre estão em sintonia com a fé. Nesses casos, o cristão é chamado a viver o equilíbrio: testemunhar seus valores sem impor, e, ao mesmo tempo, apoiar leis e medidas que protejam a vida e a dignidade de todos, pois a justiça é um valor evangélico.
São Paulo resume esse espírito ao dizer: Todas as coisas me são permitidas, mas nem todas convêm” (1Cor 6,12).
Isso nos lembra que, mesmo discordando de certas práticas, devemos reconhecer o direito civil das pessoas de fazerem suas escolhas. O que não convém para a vida cristã pode, ainda assim, ser legítimo no âmbito da liberdade social.
Assim, o cristão não precisa ver as políticas inclusivas como uma ameaça à fé, mas como um campo de testemunho: defender a justiça, a fraternidade e a paz, sem abrir mão da verdade do Evangelho. É nesse diálogo entre fé e sociedade que a mensagem cristã pode iluminar o mundo, não pela imposição, mas pela força transformadora do amor.